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A peregrinação escrita de uma vida em peregrinação...
Eis aqui para todos mais um post.
Mais um post, mais uma etapa realizada deste meu desafio pessoal para o ano da Fé. Hoje vou relatar-vos a etapa que me levou até Salir e São Martinho do Porto.
"08.26h.
Recebo um caloroso acolhimento do meu amigo sofá ao esticar-me para a minha espreitadela meteorológica. Lá fora não há dúvidas. A primavera está instalada e vai acompanhar-nos nesta 5ª etapa.
Acompanhar-nos, escrevi eu?
Sim é verdade, hoje vou ter a companhia do meu filho para uma das mais longas etapas desta COA. Destino: Salir e São Martinho do Porto.
Na programação desta peregrinação que é a COA, optei por colocar esta etapa em Abril precisamente pela sua dureza, uma vez que o sol e o calor serão (teoricamente pois esta afirmação não é neste momento confirmável...) menores e, como tal irão tornar esta etapa da peregrinação mais fácil. Bem, quando regressarmos logo vos direi...
Nesta minha habitual introdução antes da caminhada posso dizer-vos que a minha expectativa é grande. Durante toda a semana pensei em como iria fazer mais de 40km, porque ir até à Maiorga é "uma coisa" porém ir até Salir é outra... ainda mais porque a minha preparação física para este feito resumiu-se a quase zero o que não é um bom indício... Porém a certeza do caminho e o objectivo de peregrinar é para mim superior à falta de preparação. Hoje é também o IV Domingo da Páscoa e, como habitualmente, entrego esta minha caminhada nos braços e no colo de Deus Pai e do seu Filho ressuscitado para que o meu crescimento como homem, namorado, marido e pai possa continuar com a sua benção.
Bem. Hoje não posso alongar-me nesta introdução pois o caminho é longo.
Vou preparar-me convenientemente e colocar os pés ao caminho. Até já!
-"Quem é que sem preparação física se põe a fazer uma maratona?" - pergunta o meu filho perto das 11h da noite...
Bem comecemos pelo princípio.
09.50h da manhã. Saio de casa após as minhas orações acompanhado do meu belo rapaz. Manhã soalheira, brisa fresca e uma temperatura agradável (14ºC mais precisamente).
Iniciamos a nossa caminhada.
Para esta 5ª etapa decidi que percorreríamos o percurso pelos campos da Cela, e foi assim que a Fervença me apareceu no caminho pela 4ª vez. Iniciada a caminhada não estavam ainda percorridos 50m e já me estava a doer o pé esquerdo. Bonito! Isto está a começar bem! Faltam-me 40km e já estou a começar com "problemas técnicos"...
Esta semana que passou foi um exemplo de pouco descanso e bastante agitação o que me conduz a um início de caminhada já com uma boa dose de cansaço. Porém hoje é o dia! Hoje vou! Hoje sou... peregrino!
Que maravilha de dia!
Que sol esplendoroso!
Que primavera tão doce!
Realizamos o caminho até à Cela de uma forma descontraída conversando pai e filho, deixando que a natureza, o sol e a leve brisa nos envolvam. Durante vários momentos da caminhada vem-me à ideia lançar-vos um desafio: Amigos que me leem caminhem envoltos pela natureza. Levem o carro até ao campo, estacionem, abram a porta e deixem que o sol vos lamba o rosto, escutem a ternura compassada do canto dos pássaros, deixem-se envolver pelos verdes braços da natureza, respirem a pureza do ar que vos rodeia... Vivam a vida!
Acreditem que este sentimento de envolvência foi um forte sentimento vivido por mim nesta caminhada.
Passo a passo chegamos à Cela. Decido cortar caminho até Famalicão indo pela Areeira, a tranquilidade continua a acompanhar-nos, sinto-me um pouco cansado mas muito bem. Entretanto por ser a etapa mais longa da COA, a minha maravilhosa esposa e a minha fantástica filha estão na (para nós peregrinos) importante missão de carro de apoio. Comunicamos e informo que estamos quase a chegar a Famalicão da Nazaré. Aí chegados, por volta das 12.30h, efectuamos a nossa 1ª paragem.
Na mochila, além do meu caderno de apontamentos, bolachas, água, protector solar, a carteira e as chaves levo o "meu amigo" Elmetacin spray e uma embalagem de vaselina. Paramos na paragem de autocarro e tratamos de abastecer as pernas com spray, tiramos uma foto para a posteridade e poucos minutos depois aí estamos nós a caminho... Curiosamente, após caminharmos uns 500m encontramos as nossas meninas, a minha filha vem ao meu encontro com um abraço que retribuo embevecido, a minha esposa carinhosamente oferece-nos sopa de peixe. Que magnífico carro de apoio e que amável tripulação a do dito!!
A alegria da caminhada reflectida no maravilhoso dia que Deus me oferece é ainda maior quando a minha filha decide juntar-se a nós para caminhar uma pequena parte do caminho. Eis que os sentimentos de gratidão e felicidade se unem a mim ao ver a família reunida neste desafio de chegar a Salir do Porto.
Nesta altura do caminho já tenho os pés a começar a ficar em brasa e foi ao verificar esta realidade que quando parámos em Famalicão, decidi reforçar a quantidade de vaselina, porém no calcanhar esquerdo uma bolha começa a ter vontade de aparecer... Nada de especial portanto. Continuemos.
Entretanto aparece a "interminável" recta de Famalicão a São Martinho. Já com a minha filha no carro de apoio, eu e o meu filho, "atacamos" esse pedaço de caminho passada atrás de passada. Ao continuar esta peregrinação continuo a celebrar a alegria da vida, os dons magníficos que Deus me oferece e prossigo entusiasmado. Sim, nesta parte da minha caminhada como peregrino a minha descoberta interior é a da ALEGRIA, da FESTA DA VIDA, do REGOZIJO PELO DOM DA VIDA e do que me rodeia. É tão importante na vida colocarmos os óculos das coisas boas, eu sei que não é fácil, pois por vezes tudo parece cinzento e negro... É a vida, são as expectativas que temos sobre ela, é o olharmos para trás no tempo e vermos o que pensámos ser, fazer e ter e o que somos, fazemos e temos agora.
Sim, eu sei porque também estou neste barco, e também tenho dias cinzentos e negros, porém amigos os óculos das coisas boas também estão em cima da mesa. Basta pegar neles e usá-los!
Entretanto, mais ou menos a meio da recta aparece-nos a que eu chamo de "fábrica das salsichas"(não sei se é ou se alguma vez foi, mas é como eu a trato...). Grande festa, já andámos pelo menos metade. Fixe! Porém, como me havia de dizer o meu filho bastante mais tarde: "Eu da cintura para cima tou impecável, até levanto pesos se for preciso, já da cintura para baixo...", pois eu começo a comungar desta ideia. Da cintura para baixo as pernas começam a pesar qualquer coisita e aparecem de mansinho as primeiras "dorzitas"...
14.30h.
Chegamos à Igreja de São Martinho.
Entro e mais uma vez a magia da serenidade aparece. A igreja está vazia, repleta de frescura contagiante e transmite-me mais uma vez o dom da paz e da tranquilidade. Sento-me, rezo um pouco e preparo-me para tirar uma foto quando... as pilhas "entregam a alma ao criador". Bem será necessário regressar para completar este pequenino apontamento de reportagem...
Quando estamos a preparar-nos para sair o meu filho descobre que na estante a bíblia está aberta no livro dos Salmos, no canto das peregrinações!
Que curioso! Que sinal tão agradável!
Segue-se um maravilhoso piquenique em família e por volta das 16h voltamos à igreja de São Martinho para tirar algumas fotos e continuarmos a peregrinação. Pois ainda não chegámos a Salir do Porto... Nesta altura do campeonato, já sei que irei coleccionar uma bolha no calcanhar esquerdo, isto apesar da vaselina e do cuidado na escolha das meias... porém as pernas estão boas, o nível de dor é baixo e o entusiasmo está em alta!
Prossigamos para Salir!
17.10h.
Ufa! Após 7 horas da nossa saída de casa chegamos a Salir do Porto, claro está que pelo meio tivemos uma pausa de 1.30h que não conta para o pecúlio das horas de peregrinação, conta sim para a alegria de viver em família... A esta hora encontramos a igreja fechada, porém a pausa reparadora é acompanhada da nossa oração de graças por tudo o que o Pai nos dá, pela beleza do caminho e da companhia um do outro.
Pausa efectuada os dois respiramos fundo e damos início ao regresso. Decidimos parar em São Martinho para reforçarmos a dose de spray para ambos e a dose de vaselina para mim. Surpresa!!! Vou ter uma 2ª bolha, desta feita no pé direito. Fantástico!
Aqui tem início a 2ª parte deste nosso enorme desafio de hoje: o regresso a Alcobaça!
Nesta altura, e depois de cerca de 20km, já estou no modo de desafio das minhas capacidades físicas, intelectuais e principalmente motivacionais. Sentado no banco em frente ao mar começo a ficar preocupado, já são 18.00h e ainda temos imenso caminho pela frente. No entanto, como verdadeiros obreiros da peregrinação decidimos colocar objectivos: pois bem próxima paragem será em Famalicão! Pernas ao caminho e aí vamos nós, rotunda do Intermarché, rotunda norte de São Martinho, a recta (uuuiiiii a recta...), "a fábrica das salsichas" e... (o meu filho tinha decidido fazer uma brincadeira quando regressássemos com os postes de sinalização que se encontravam já arrancados no chão) temos a celebração do "casamento do Zé e da Josefina"! Eh! Eh! Eh! Momento hilariante esse que nos permitiu chegar ao fim da recta mais bem dispostos e animados.
O tempo passa e o caminho continua, e o cansaço começa a acumular-se cada vez mais, as pernas já pesam bastante, as dores aumentam de intensidade e eis que aparece um novo peregrino para se juntar a nós nesta caminhada: o frio. Escusado será dizer que partimos ambos de calções, t-shirt e sapatilhas, eu acrescentei uma camisola polar e o meu filho um casaco, porém o frio "trouxe mais roupa" e a chegada a Famalicão realiza-se com um arrefecimento acentuado da temperatura. Paramos na paragem, como diz a malta nova "bué de rotos", mais spray nas pernas, eu já nem tenho coragem em descalçar as sapatilhas... O meu filho, que já tinha iniciado esta caminhada com uma pequena constipação, começa a tiritar de frio.
A noite aproxima-se, ainda falta bastante caminho para caminhar, mas... continuamos, pois peregrinar é também ser mais forte e desejar ir mais além!
Entretanto, o meu filho vai tiritando cada vez mais de frio (apesar de não mo transmitir...) e segue com garra e vontade de chegar mais longe, eu porém, decido chamar reforços e telefono à minha princesa pedindo-lhe que venha ao nosso encontro e traga agasalho para ele. É então que percorridas umas centenas de metros após Famalicão, chego à conclusão que é melhor o meu campeão, um rapaz que muito admiro, regressar a casa de carro após ter percorrido 28km e 530m.
Após a minha maravilhosa filha me entregar um colete reflector e os três partirem em direcção a Alcobaça continuo eu em busca do final desta etapa.
Ora aqui é que começa o desafio!
E a descrição deste desafio inicio-a com um provérbio: "Quem se mete em atalhos mete-se em trabalhos"! Pois é, toda a nossa vida é feita de decisões. Sim. A cada momento tomamos decisões e construimos resultados baseados nessa mesmas decisões. Ora eu decidi inventar, em vez de regressar pelo mesmo caminho penso:
- Eh pá! Aqui nos campos da Cela há um atalho que me permite encurtar caminho, acho que é por aqui! E era... era o resultado da minha decisão que estava à vista: cerca de 1 hora "perdido" na embrulhada de caminhos nos campos da Cela já com a noite como companheira, confusão que só desembrulhei após um encontro imediato com 3 belos cães que me obrigaram a voltar para trás. Volto para trás e apanho o caminho correcto, porém a esta hora 21.30h já estou todo roto, não sinto as pernas, doêm-me osjoelhos, os gémeos e principalmente os pés. Tomo então outra decisão, tinha trazido uma embalagem de paracetamol (caso fosse necessário) e tomo 2 comprimidos. Continuo. Rezo. Motivo-me. Recebo SMS a motivarem-me e prossigo. Eis então mais uma recta enorme que irá terminar na linha de caminho de ferro. UUI!
É noite a lua brilha emanando um halo de luz lindo, um homem num carro pára e oferece-me boleia, amavelmente recuso (mais uma decisão...) tendo no entanto a ideia que decidi mal uma vez que uma boleia àquela hora até ao fim dos campos da Cela seria óptimo.
Decisões, resultados, consequências.
Continuo o caminho "no meio do nada" e entretanto começo a ficar nauseado, tinha comido um pão com manteiga e fiambre que a minha esposa tinha trazido e que bem me soube mas nauseado me deixou. Os pés, as pernas, os joelhos começam a acusar "falência técnica" e ainda estou nos campos da Cela com o relógio a marcar quase 22.00h, a minha maravilhosa companheira telefona-me, conversamos e pergunta-me se necessito de algo, começo por negar, mas ela responde-me com uma frase fabulosa:
-"Jone, eu sei que estás a dar o teu máximo, mas vais ter oportunidade de o dar mais vezes!" - tomo então outra decisão. Digo-lhe que me venha buscar. Alcançar resultados é também reconhecer quando precisamos de ajuda e vermos quando os nossos limites já estão ultrapassados. Os meus já o tinham sido... Decido então concluir a 5ª etapa da COA de carro, porém antes de me sentar no banco do meu Land Rover ainda consigo terminar o percurso dos campos da Cela.
Chego a casa às 22.15h, 61156 passos e 37,47 km depois. Que dia magnífico!
Agora quando vos escrevo este texto várias ideias me vêm à cabeça:
1º O meu filho tem razão, quem é que sem preparação física decide realizar "uma maratona" ainda por cima debaixo de sol?
2º Tivesse eu, a partir do cruzamento para a Cela, regressado pelo mesmo caminho e talvez... sim só talvez, pudesse ter sido diferente.
3º Quando damos o nosso máximo e tudo o que podemos alcançamos sempre um resultado: ultrapassamo-nos a nós próprios. Para mim este é o grande ensinamento: viver o aqui e agora ultrapassando-me sempre!
4º A vida é uma peregrinação, nesta nossa caminhada há objectivos que conseguimos alcançar, outros alcançamos de forma diferente, outros não conseguimos e outros ainda, conseguimos ultrapassá-los. O importante é peregrinar usando o máximo de tempo os nossos "óculos das coisas boas", pois só assim conseguiremos valorizar a vida e esta nossa breve passagem pela terra.
Obrigado amigos por me lerem e encontramo-nos na descrição da 6ª etapa que irei realizar no dia 19 de Maio à Cela e a Alfeizerão.
Até já!